A minha história com cafés
Em algum momento entre 2012 e 2014 trabalhei em uma cafeteria na Savassi, bairro nobre de Belo Horizonte, onde comecei como ajudante e barista mesmo sem ter experiência. Uma amiga confeiteira havia me indicado; o trabalho era razoavelmente tranquilo e o salário-mínimo me ajudaria a pagar as despesas com o seminário e outras demandas.
Foi lá que descobri que café “não é tudo igual”. Enquanto era treinado ou “discipulado”, fui informado que existiam duas classes de café: “café especial” e “café tradicional”, ou se preferir “café verdadeiro e café falso”, “café de alta qualidade e café de baixa qualidade”.
Café tradicional
No final dos anos 80, a ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café) criou um selo de pureza que garante que a amostra (café) seja composta apenas por grãos de café, sem conter a mistura de outros alimentos como o milho, soja, etc.
Aqueles pacotes de café tradicionais que você compra no supermercado podem conter “grãos perfeitos e imperfeitos” (verdes, maduros, podres) afetando o sabor do café com uma porcentagem de impurezas como galhos do cafeeiro, cascas do grão, pedras trituradas e até bichinhos. Tudo isso prejudica a qualidade, sabor e aroma do café. O que chamamos de café tradicional é o conjunto de tudo isso super torrado, dando aquela coloração preta e um forte amargor.
A maioria das pessoas desconhece a grande complexidade do café e os seus tipos. Muitos consomem o café sem de fato sentir as suas notas sensoriais que dão todo o sabor e diferencial para a bebida.
É por isto que para cada copo de café consumido, completamos a outra metade de açúcar (contém ironias). Na verdade, o que nos faz continuar consumindo essas quantidades enormes de café é o açúcar, que cria em nosso sistema nervoso a dependência não pelo café tradicional, mas pela combinação “metade café metade açúcar” (se você já foi em uma repartição pública, sabe do que eu estou falando).
Café especial
O site cafécultura.com sinaliza o seguinte sobre cafés especiais:
“o café não é uma simples bebida para te dar energia. É uma bebida complexa, que exige bastante conhecimento e profissionais treinados, podendo proporcionar sabores incríveis e uma experiência única”. O cuidado com o café especial vai desde o plantio (variedade, tipo de solo, altitude, temperatura, clima), passando pela colheita, secagem, torra e o preparo, envolvendo toda a cadeia de produção, onde cada etapa influencia no resultado final. O café especial proporciona uma liberdade muito positiva no momento da torra, por conta da pureza dos grãos. Os mestres de torra buscam diferentes perfis e receitas para tirar os sabores únicos de cada grão. Além disso, os cafés especiais são conhecidos e certificados sustentáveis, pois além dos atributos físicos, como aroma, sabor e qualidade do grão, também englobam preocupações ambientais e sociais. Valorizando os pequenos produtos e todo o cuidado com a natureza. Na classificação da SCAA, Associação Americana de Cafés Especiais, a pontuação do café especial é no mínimo 80 pontos (vai até 100). Nesta metodologia são avaliados os seguintes atributos: fragrância/aroma, uniformidade, ausência de defeitos, doçura, sabor, acidez, corpo, finalização, harmonia e conceito final (impressão geral sobre o café).
É por isso que não precisamos acrescentar açúcar ao café especial ao consumí-lo, o açúcar mascara o gosto do café, escondendo toda a sua identidade e sabor.
Dando um passo além do cultural
Quando a pessoa que está acostumada com o café de baixa qualidade (tradicional) adoçado decide abandoná-lo, poderá enfrentar alguns obstáculos. Afinal, mudar um hábito que foi cultivado por anos não é uma tarefa fácil. A falta de açúcar pode tornar o café mais amargo e difícil de apreciar, e a mudança no sabor pode ser uma experiência desafiadora para aqueles que estão acostumados com o sabor padronizado do café tradicional. No entanto, com o tempo, é possível desenvolver um paladar mais refinado e apreciar as nuances e sabores complexos do café especial. O processo de transição pode exigir paciência e perseverança, mas os benefícios de apreciar uma bebida de alta qualidade, sem aditivos ou açúcar, podem ser gratificantes e transformadores.
O que isso tem a ver com o Evangelho?
Certamente, o café especial e o Evangelho verdadeiro têm em comum o fato de serem duas imagens que representam coisas de alta qualidade e valor que consumimos diariamente. No entanto, ambos também têm um aspecto crucial em relação à sua pureza e autenticidade.
Assim como um café especial de qualidade não precisa ser adoçado ou mascarado por aditivos, o Evangelho verdadeiro também não precisa ser modificado ou diluído para ser compreendido pelas pessoas. Da mesma forma que o sabor único e singular do café especial deve ser preservado para ser apreciado em sua plenitude, a mensagem transformadora do Evangelho deve ser mantida íntegra e sem alterações para ser compreendida em toda sua profundidade.
No entanto, assim como algumas pessoas podem preferir adicionar açúcar ou outro aditivo no café para esconder a sua baixa qualidade, outras podem se sentir mais confortáveis com falsas interpretações ou aditivos ao Evangelho (criando um falso evangelho).
O apóstolo Paulo também lidou com pessoas que estavam sendo seduzidas por ideias erradas sobre o verdadeiro Evangelho:
Estou muito surpreso em ver que vocês estão passando tão depressa daquele que os chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual, na verdade, não é outro. Porém, há alguns que estão perturbando vocês e querem perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu pregue a vocês um evangelho diferente daquele que temos pregado, que esse seja anátema. Como já dissemos, e agora repito, se alguém está pregando a vocês um evangelho diferente daquele que já receberam, que esse seja anátema. (Gálatas 1.6–9)
Como é difícil convencer uma pessoa dos benefícios de trocar o café tradicional pelo café especial (já vimos que o que faz o café especial não é exatamente o grão, mas a sua pureza), no entanto, mais difícil é convencer um religioso que ele está se alimentando de um falso evangelho.
Ao longo da minha jornada com Cristo, conversei com dezenas de pessoas que se consideram também cristãs, muitas delas estão convencidas de que “heresias, sofismas e invenções humanas” são o verdadeiro gosto do Evangelho de Cristo. Essas pessoas estão viciadas em pregações triunfalistas que enfatizam a glória e autonomia humana colocando Deus a serviço dos crentes e não o contrário. Tentar alertá-las sobre um Evangelho puro é uma tarefa sobremodo cansativo.
Aqui em nossa igreja enfrento isso há anos; é muito mais fácil ensinar e convencer uma pessoa que nunca foi crente a saborear e se alegrar no verdadeiro Evangelho do que fazer a mesma coisa para pessoas que passaram por outras congregações. Quando as pessoas estão aculturadas com um falso Evangelho, o trabalho é dobrado!
Em Mateus 16:6, Jesus alertou seus discípulos a respeito do fermento dos fariseus e dos saduceus. Ele estava os advertindo para que não se deixassem enganar pelos ensinamentos hipócritas e falsos desses líderes religiosos. Jesus disse: “Olhai e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus”.
Você viu que essa ideia de relacionar comida com fé não é coisa minha, Jesus usou a linguagem do fermento para se referir àquilo que adulterava a verdadeira essência do Evangelho o que era extremamente prejudicial aos discípulos.
Jesus resistiu ao fermento dos fariseus e ensinou a verdade do Evangelho: o mesmo exemplo deve ser seguido por nós, seus discípulos. A verdade que liberta é pura e única, sem aditivos. Sua doçura é natural. Em João 8:31-32, Jesus disse:
“Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”
Assim como Jesus resistiu aos ensinamentos hipócritas dos fariseus, os cristãos também devem estar atentos para não se deixarem levar por ensinamentos falsos e enganosos que podem distorcer (mudar o gosto ou a forma) a verdade e nos afastar de Deus.
Conclusão
Você não precisa ser um apreciador de café para ser um bom cristão, estou convencido que existem muitos homens e mulheres de Deus que gostam mesmo é do bom e doce cafezinho tradicional. Mas se tratando da mensagem do Evangelho, não podemos ser menos criteriosos, não cremos que todos os caminhos levam a Deus, assim como não cremos que tudo que se diz evangélico de fato está fundamentado no doce e puro Evangelho do reino de Deus. Voltemos ao Evangelho, voltemos à Escritura como fundamento da nossa fé, voltemos a Cristo, puro e simples!
Respostas de 3
Amei! Paralelo simples e objetivo entre o café e o evangelho.
Que texto sensacional.
Eu infelizmente sou viciado num cafezinho tradicional “infectado” com açúcar pra “entorpecer” meu paladar. Não posso cair na mesma tentação com o Evangelho! Preciso que Ele molde meu paladar, pra eu desejar aquilo que o Pai ama e tem pra mim no seu filho.