A teologia de Martinho Lutero sofreu uma radical mudança no ano de 1515 após sua melhor compreensão sobre a justiça de Deus. O monge agostiniano era constantemente aterrorizado pela frase de Paulo: “Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus (Rm 1:17)”. Tamanho era o temor que o levou a odiar essa ideia, pois na sua concepção, Deus era um juiz punitivo e por mais que ele fosse um monge irrepreensível e exemplar, não poderia fugir do castigo Divino.
Lutero, progressivamente passou a compartilhar do mesmo pensamento de Agostinho em relação à graça de Deus e a condição humana: o pecador não poderia se justificar diante de Deus, pois não haveria em si mesmo méritos para isso. Pelo contrário, a humanidade caída era prisioneira condenada ao pecado e alienada de Deus, sem os recursos que a possibilitasse liberdade e redenção.
A ideia de Lutero sobre Deus como um juiz impiedoso é substituída pela convicção de um Deus bondoso e misericordioso à medida que ele reconhece, pela fé, o fato de Jesus ter pago nossa dívida e nos prometido liberdade. Dessa maneira, a fé que salva é a fé que recebe o sacrifício do Cristo crucificado. Isto chamamos de salvação pela graça: Deus nos libertando pelo mérito do seu Filho, entregue como oferta propiciatória suficiente para pagar as nossas dívidas e nos livrar do Seu justo juízo contra o pecado.
A fé, portanto, possui dimensões pessoais e cósmicas, envolvendo o indivíduo a crer em Deus e em Sua promessa, confiando, se entregando totalmente e por fim, se unido a Deus por meio de Jesus.
Quando Cristo, na cruz, recebe o justo juízo de Deus contra o pecado em nosso lugar, a sentença contra o pecador é executada. Deus revela suas boas novas aos homens nesse ato, é a sua graça a nós concedida, favor imerecido de Deus. O resultado não poderia ser outro, senão gerar em nós uma fé respondente a obra divina. Não que a salvação pela graça não tenha valor, ou não tenha custado algo para alguém, o Evangelho mostra que a salvação dos homens custou o que havia de mais precioso em Deus e essa salvação não poderia ser conquistada por quaisquer esforços humanos.
Essa fé que Lutero tanto ensinou é a fé que se conforma e recebe de maneira gratuita tudo aquilo que Deus conquistou para Ele; não existe nada que a humanidade possa usar como barganha para receber o presente divino.
Portanto, meus irmãos, agora que recebemos o dom de Deus, que nossa maneira de viver evidencie isto a todos a nossa volta, que o nosso testemunho possa encorajar outras pessoas a descobrir no Justo e bondoso Deus o caminho da justificação pela graça mediante a fé em Jesus Cristo, amém.
O conceito forense de justificação
Como posso encontrar um Deus gracioso (Lutero)
Lutero, Melancton e Calvino enriqueceram o debate e fortalecimento da doutrina da justificação pela fé (um dos temas centrais da reforma protestante). Gostaria de destacar o conceito em uma breve ilustração:
O pecador, de acordo com Paulo (Rm3.23), está separado da glória de Deus, morto em seus delitos e pecados, em terrível abismo e transgressão, assentado como criminoso diante do Justo e Santo Juiz, aguardando no tribunal a sua já avisada sentença (morte/condenação eterna).
Satanás testemunha contra o pecador juntamente com os seus demônios, a lei é a “régua” que mede a transgressão, revelando ao acusado que de fato ele não é inocente. Entretanto, algo inesperado acontece: um som de portas se abrindo é escutado por todos, Cristo se achega diante do Juiz e advoga a favor do réu, apresenta-se como oferta de resgate em favor do pecador.
Sua vida sem culpa foi entregue como evidência da sua dignidade, seu sofrimento, sua cruz, seu sangue derramado. A condenação que era para o pecador foi satisfeita no Cordeiro Santo de Deus, o crime daquele acusado foi punido no seu Advogado, a fiança pela liberdade é então adquirida dentro dos termos legais estabelecidos pela corte do reino de Deus.
O pecador, ainda no banco dos réus, é “justificado”, declarado inocente dos crimes cometidos, sem méritos recebe de graça um presente e como diria Santo Agostinho: já não resta outra coisa senão confiar e se unir Aquele que o defendeu com sua própria vida. Se não bastasse o perdão, o Juiz se revela como um Pai ao que antes era acusado, desejando adotá-lo para uma nova vida redimida na comunhão eterna, mas essa é uma história que conto detalhadamente outro dia.
A doutrina da graça – Agostinho e Pelágio
Agostinho, bispo de Hipona, travou caloroso debate contra Pelágio, monge ascético britânico no século V. A principal divergência entre os dois era relacionada a natureza humana e a salvação. Pelágio insistia em dizer que o homem possui liberdade o suficiente para se opor ao pecado e buscar sua salvação em Deus. Para Agostinho, a Escritura era clara em revelar a total corrupção humana e sua incapacidade de salvar a si mesmo.
Para Agostinho, a natureza humana é fraca, caída, impotente; para Pelágio, ela é autônoma e auto-suficiente. Para Agostinho, a humanidade deve depender de Deus para sua salvação; para Pelágio, Deus simplesmente aponta o que deve ser feito para se alcançar a salvação e deixa o ser humano à própria sorte para satisfazer essas condições. Para Agostinho, a salvação é um dom imerecido: para Pelágio, ela é apenas uma recompensa ganha. (MCGRATH p. 61)
Fé e salvação
Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé. (Romanos 1:16-17)
Segundo Alister McGrath[1] para Lutero a noção de fé apresenta três elementos: “fé pessoal e não puramente histórica, fé que confia nas promessas de Deus e fé que une o pecador com Cristo”.
1) Pessoal. A fé não é apenas o conhecimento histórico da existência de Jesus, mas é o fato de que Ele nasceu e morreu por nós de forma pessoal para a nossa salvação.
2) Confiança (Fidúcia). “ter fé não é simplesmente acreditar na existência de um barco – mas é entrar nele e se lançar ao mar, confiando a ele nossa vida (Lutero apud McGrath p. 288)”
3) União com Cristo. McGrath prossegue dizendo que Lutero apresenta esse princípio de forma bastante clara em uma obra escrita em 1520, The libertyof a Christian (Da liberdade do cristão]:
A fé não significa simplesmente o fato de nosso espírito perceber que a palavra de Deus está repleta de toda graça, liberdade e santidade; a fé também une nosso espírito a Cristo, assim como a noiva une-se a seu noivo. Dessa união, conforme nos ensina São Paulo (Ef 5.31,32), concluímos que Cristo e o nosso espírito tornam-se um só corpo, de forma que tenham tudo em comum, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, em todas as circunstâncias. Isso significa que aquilo que pertence a Cristo, também pertence ao cristão; e que aquilo que pertence ao cristão, também pertence a Cristo. Assim, se a Cristo pertencem toda a virtude e santidade, o cristão agora também possui essas características. Todavia, se ao cristão pertencem incontáveis vícios e pecados, a Cristo eles também passam a pertencer(p. 288).
Assiste a pregação aí:
[1] Teologia sistemática, histórica e filosófica, Shedd, 2005
Uma resposta
Dia da Reforma Protestante.
Grande feito para a humanidade.
Graças a Deus por isso.