Na história da redenção é comum voltarmos ao gênesis de tudo para melhor compreender o que aconteceu durante a jornada da humanidade em busca de Deus.
A narrativa da criação revela vários aspectos do plano de Deus para a humanidade e como o pecado provocou uma grande catástrofe na ordem natural divina de todas as coisas.
Criação e relacionamentos – Deus, Eu/próximo e o mundo criado
No princípio criou Deus, céus, terra e humanidade. A palavra de Deus trouxe tudo o que conhecemos a existência, mas nós fomos criados por suas próprias mãos. Como “adam”[1] compartilhamos da imagem de Deus, mas o que isso significa? Significa que nosso propósito de existir carregar uma glória que não é dada a nenhuma outra parte da criação.
Além disso, somos chamados a glorificar a Deus e viver para a sua satisfação através de três esferas de relacionamentos: com Deus, consigo mesmo/com o seu próximo, e com o mundo.
Na esfera de relacionamento com Deus, buscamos a verdadeira adoração e espiritualidade centrada na identidade e obra trinitária. Na esfera de relacionamento conosco e com o nosso próximo, buscamos o amadurecimento pelo relacionamento, onde confirmamos nossa identidade e virtudes segundo a imagem de Deus. Por fim o mundo é o local em que vivemos cultivando e servindo, trabalhando para que neste local haja florescimento e relacionamento saudável entre o homem e o solo.
Na criação de Deus tudo é bom, a humanidade de forma singular assume co-protagonismo com o Criador, é chamada com um propósito supremo, ser aqui na terra o que Deus é em todo o cosmos. Tudo está à disposição do homem para a glória de Deus, menos uma coisa: a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.17). A proibição coloca um limite na liberdade humana, e é isso que nos faz diferentes de outras formas de vida; podemos escolher confiar, pela fé, no caráter e bondade de Deus ou podemos ultrapassar os limites do divino e espiar, desconfiados, se Deus esconde algo de nós para além do “Não comereis”.
A queda – O gênesis da depravação total
O primeiro dos cinco pontos do calvinismo, fala da doutrina da depravação total. Em resumo, é uma declaração de que pelo pecado de “Adão” todos os homens são depravados ou caídos de sua condição original. Que o relacionamento com Deus, consigo mesmo/com o próximo e com o mundo, foram drasticamente afetados pelo pecado da rebelião e agora a humanidade vaga pela existência da vida, perdida do outro lado do abismo de sua depravação, sem poder se salvar de sua perdição.
Nossos relacionamentos foram afetados pelo pecado original. Completamente depravados não buscamos mais a intimidade com Deus, curvados em nós mesmos, adoramos ídolos que possam alimentar a nossa falsa liberdade: esse falso deus se alimenta de pó da terra, do pecado produzido por homens de barro. Agora fugimos do Único Deus, com medo e conscientes de que merecemos o salário (juízo) divino como consequência.
Além disso, sem nossa identidade firmada na imagem de Deus, nos perdemos em estilhaços. Aquele lugar em nosso coração onde fluíam as águas do Espírito de Deus agora é seco como as areias do mais hostil dos desertos. Não nos reconhecemos mais e aqueles a quais deveríamos nos relacionar como irmãos, agora são para nós inimigos e não há outra escolha a não ser assassinar Abeis.
Do lugar do encontro, fomos expulsos, o santuário onde Deus era adorado foi profanado por mãos iníquas. Se isso não bastasse, a nossa relação com a terra de Deus se tornou dura, os espinhos começaram a crescer onde um dia foi um belo campo de descanso. A terra que nos servia com os seus frutos, agora resiste em produzir o que precisamos para sobreviver (Gn 3.17).
O Deus que criou, e viu que era bom, observa descontente e com forte ira o que o pecado humano fez com tudo aquilo. O salário do pecado é a morte, mas a morte deveria ser equivalente a gravidade do pecado; um pecador não satisfaria a exigência, então um inocente morre para cobrir aquela vergonha. Deus providencia um substituto para Adão e Eva, e com isso aponta para o futuro onde Cristo o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, venceria o pecado, a morte e o inferno por meio da sua própria morte.
Arrependimento e fé – o Christus Victos
O novo testamento apresenta Cristo, o vitorioso, como centro de nossa fé. Somos convidados a confiar e a nos submeter àquele novo “Adão” gerado por Deus para vencer a batalha onde o primeiro Adão fracassou.
Quando somos unidos ao nosso Vencedor pela fé, somos substituídos e justificados pelo Deus e Pai do nosso Senhor Jesus (Rm 3.24). A ira que estava para nós, entendemos ser sobre Ele (Jesus) na Cruz do calvário, é por isso que aquele lugar de morte se torna nosso caminho de volta ao Éden de Deus. Porque Cristo está ali, e se morremos com Ele, para o pecado também morremos, e com Ele ressuscitamos para Vida eterna (2Tm 2.11).
Essa vida eterna não é outra coisa senão Deus recriando a nova humanidade, redimida para ser conforme a sua imagem e semelhança (2Co 5.17). Aquelas três esferas de relacionamentos são por fim restauradas na obra trinitária, e agora por meio de Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo, podemos nos relacionar com Deus perfeitamente em intimidade e verdadeira adoração. Semelhantemente, somos confirmados em nossa identidade de filhos e, por isso, convidados a fazer parte da família de Deus, dando testemunho ao mundo das suas grandes obras e maravilhas, através de serviços humildes e proclamação da sua graça.
De alguma forma, desde o Éden buscamos um lugar, local ou condição de segurança, paz, alegria, restauração; é como se nosso coração clamasse pelo verdadeiro “shalom” de Deus. Em Cristo encontramos o nosso lugar, Ele é tudo em todos, Ele é o nosso Éden.
Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. 0 tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação;Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação (2 Coríntios 5:17-19).
[1] Transliteração do hebraico