O CENTRO DAS ESCRITURAS É DEUS

Talvez, em seus primeiros passos na vida religiosa tenham te ensinado a olhar para as Escrituras procurando por você ou pela história da sua vida. No entanto, a Bíblia não pode ser lida como um biscoito da sorte ou como um livro de horóscopo onde consultamos a sorte do dia. O fato é que as Escrituras sempre apontam para quem Deus é e para aquilo que Ele fez e ainda está fazendo por toda a história. Por outro lado, é óbvio que se nos debruçarmos sobre a Bíblia e conhecermos quem Deus é, também conheceremos mais sobre nós, entenderemos nosso lugar na obra da criação e da redenção, teremos maior consciência sobre a gravidade do nosso pecado e clareza sobre a preciosa graça salvadora de Deus que age em nosso favor. Como disse Calvino no primeiro volume da sua obra As Institutas da Religião Cristã:

…é notório que o homem jamais chega ao puro conhecimento de si mesmo até que haja antes contemplado a face de Deus, e da visão dele desça a examinar-se a si próprio. Ora, sendo-nos o orgulho a todos ingênito, sempre a nós mesmos nos parecemos justos, e íntegros, e sábios, e santos, a menos que, em virtude de provas evidentes, sejamos convencidos de nossa injustiça, indignidade, insipiência e depravação. Não somos, porém, assim convencidos, se atentamos apenas para nós mesmos e não também para o Senhor, que é o único parâmetro pelo qual se deve aferir este juízo. Pois, uma vez que somos todos por natureza propensos à hipocrisia, por isso qualquer vã aparência de justiça nos satisfaz amplamente em lugar da real justiça. […] mui fantasiosamente nos lisonjeamos a nós mesmos, de todo satisfeitos com nossa própria justiça, sabedoria e virtude, e nos imaginamos pouco menos que semideuses. Mas, se pelo menos uma vez começamos a elevar o pensamento para Deus e a ponderar quem é ele, e quão completa a perfeição de sua justiça, sabedoria e poder, a cujo parâmetro nos importa conformar-nos, aquilo que antes em nós sorria sob a aparência ilusória de justiça, logo como plena iniquidade se enxovalhará; aquilo que mirificamente se impunha sob o título de sabedoria exalará como extremada estultícia; aquilo que se mascarava de poder se arguirá ser a mais deplorável fraqueza.

A partir dessa compreensão, não correremos o risco de cair no engano das teologias c que tratam o ser humano como o centro da Bíblia. Essas mesmas teologias também trazem afirmações distorcidas sobre quem Deus é, ao passo que distorcem também quem de fato é o ser humano. Geralmente, tais teologias podem ser identificadas nas pregações positivistas que ressaltam mais o ser humano do que o próprio Deus, além de se preocuparem mais com a nossa valorização e o bem-estar do nosso ego, fazendo-nos acreditar na ilusão de sermos ‘Senhores’ enquanto Deus nos atende como um servo. 

Portanto, esse é um dos pontos cruciais da fé: entender que a mensagem das Escrituras não é antropocêntrica. Precisamos desenvolver uma fé que não seja centrada em nosso ego ou que esteja devotada à satisfação dos nossos próprios interesses e desejos. Para tanto, precisamos desenvolver uma fé sólida, baseada na compreensão correta das Escrituras, sabendo que ela nos apresenta quem Deus é, os atributos Dele, as obras Dele e o caráter Dele. Tudo parte Dele, por Ele e retorna para Ele, como afirma a doxologia de Paulo em sua carta aos Romanos: 

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Romanos 11:33-36)

Ao abordarmos o fato de que as Sagradas Escrituras não são antropocêntricas, partiremos agora para outra verdade. Outro elemento importante acerca da compreensão das Escrituras não para por aí. Para complementá-la precisamos caminhar para esse ponto:

Quando a Sagrada Escritura fala sobre Deus, ela não nos permite deixar que nossa atenção ou pensamentos vaguem ao acaso… Quando a Sagrada Escritura fala sobre Deus, ela concentra nossa atenção e pensamentos sobre um único ponto e sobre o que devemos conhecer sobre ele… Se continuarmos nos questionando a respeito do único ponto sobre o qual, de acordo com as Escrituras, nossa atenção e pensamentos devem se concentrar, então, do começo ao fim, a Bíblia aponta-nos o nome de Jesus Cristo. (Karl Barth, apud Macgrath, 1953, p. 405)

É impossível falar sobre Deus sem falar em Cristo, mais precisamente em sua pessoa (cristologia) e em sua obra (soteriologia). Pelas palavras de John Stott (2006, p. 12) Jesus é o eixo das Escrituras. “A Bíblia não é uma coletânea aleatória de documentos religiosos. Como Jesus mesmo disse, ‘as Escrituras…testificam de mim’ (Jo 5.39)”. Em concordância, outros nomes da tradição cristã reafirmaram:

“Aqui es­cancaram-se as portas para o entendimento das Sagradas Escrituras, ou seja, que tudo precisa ser compreendido em relação a Cristo”. “A Escritura inteira, em cada parte dela, só trata de Cristo” – Martinho Lutero, Sermões em Romanos, vol. 25 (1515).

“A ignorância das Escrituras é a ignorância de Cristo” – Jerônimo, patriarca da igreja nos séculos IV e V.

A fé protestante, portanto, ressalta a centralidade de Cristo e o afirma como o seu principal fundamento. Da mesma forma, a ‘teologia cristã’ confere à pessoa de Jesus Cristo um papel e um lugar de importância central.

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