Ao se encontrar com Tiago, líder da Igreja em Jerusalém, Paulo conta as boas notícias de como Deus está alcançando os “goyim”, os não judeus de todas as nações (v. 19), o que fez com que todos ali glorificassem a sabedoria de Deus (v. 20).
No entanto, boatos entre os judeus que criam cresciam: a mentira de que Paulo estava pregando uma mensagem que afastava os convertidos da Lei do Senhor, o que poderia ser um grande problema para o próprio Paulo e os seus companheiros (v 21). O conselho de Tiago para Paulo foi participar da cerimônia de purificação judaica ou “voto do Nazireu”, com outros quatro irmãos, testificando que ele [Paulo] não havia deixado de zelar pela lei.
Paulo foi rápido em agir e de bom grado aceitou a orientação, participou – como judeu que era – da cerimônia, testificando o reconhecimento pelo valor da sua cultura, sem desprezar a consciência cristã.
Acredito que podemos aprender algo sobre o Evangelho e a cultura observando algumas coisas importantes nesta história.
1) A importância de testemunhar o que Deus está fazendo no mundo
Paulo, ao testemunhar sobre o que Deus estava fazendo no mundo e na vida dos gentios, trouxe alegria e fez com que a liderança da Igreja em Jerusalém glorificasse a Deus reconhecendo a obra de salvação a todas as pessoas. Não aparece no texto, porém fica subentendido que Paulo, junto com outros homens importantes da igreja aos gentios, trazia consigo as ofertas que foram recolhidas nas regiões por onde ele passou e pregou o Evangelho.
Isso me faz pensar em como Paulo é respeitoso com as autoridades da igreja em Jerusalém, e como eles reconhecem que Paulo faz parte deles como um “apóstolo entre os gentios”. Nos dias atuais existem alguns conflitos envolvendo aquelas pessoas que estão engajadas com o trabalho da igreja local versus aqueles que estão engajados com o trabalho de expansão do Evangelho entre os povos não alcançados.
Todas essas “picuinhas” deveriam ser deixadas de lado e um senso de “comunidade” tomar conta da nossa consciência. O testemunho daqueles que voltam do campo é necessário para fortalecer essa comunhão e a recepção amiga que reconhece a importância daqueles que são pioneiros em lugares difíceis faz com que “Paulos” encontrem em “Jerusalém” um lar.
2) Boatos e mentiras ameaçavam o testemunho de Paulo à Igreja
Não é de hoje que a mentira é contada, ela é tão antiga quanto o pecado de Adão. Nós sabemos que nem sempre a mentira é algo extravagante, na maioria das vezes é sutil como um copo com 1% de esgoto em 99% de água limpa. Á água não fica totalmente suja, mas sabendo disto, você teria coragem de matar a sua sede com esta água?
As mentiras a respeito do ministério de Paulo entre os gentios não eram tão simples assim. A acusação é que Paulo havia abandonado completamente a Lei de Moisés (a circuncisão e os costumes). Isto era tão grave como se Paulo tivesse rasgado todo o antigo testamento e junto com ele desprezasse inteiramente a cultura judaica. Não era bem isto que estava acontecendo, realmente existiam alguns pontos na lei mosaica que deveriam ser relidos pelos judeus e gentios, mas não de forma a desprezá-las, como se não houvesse valor.
Paulo ensinava a judeus e gentios que tentar enxergar qualquer coisa nessa vida sem os olhos da fé em Cristo é tentar conhecer a verdade com os olhos vendados (2 Co 3.15).
Ao ler as Cartas Paulinas o que percebemos é que sua grande acusação não era contra a lei, mas contra as pessoas que usavam a lei de maneira indevida, buscando nela uma salvação pelas boas obras, ou seja, o mérito próprio para ser aceito digno diante de Deus.
A lei não tem o poder de salvar nenhuma pessoa, sabemos disso pelo próprio Paulo que sinaliza muitas vezes que a salvação é pela graça mediante a fé e que isso é dom de Deus (Ef 2.8). Paulo não ensinava as pessoas a apostatarem da lei de Moisés, ao contrário, ensinava-as a se relacionarem com a lei da maneira correta, através da graça de Deus (1 Tm 1.8).
Logo, compreendemos que o bom procedimento na lei não era um requisito de Deus para ser salvo e sim uma forma de andar de modo digno e grato, pautado na obra de Jesus na cruz. Paulo pregava contra o tipo de vida que usava a lei para se justificar, o que não invalida o bom uso da lei por aqueles que desejam andar no caminho do Senhor.
Uma palavra distorcida, um boato, ou uma história mal contada havia inflamado o coração de zelosos da lei, podendo fazê-los pensar que Paulo havia se tornado um tipo de liberal entre os gentios, dando um mau testemunho do Deus e Pai de Jesus, o qual deu a lei à Moises.
3) O Evangelho e a cultura
Para Paulo era muito importante não criar impedimentos para a expansão do Evangelho. Ele não viu problemas em uma prática cultural do seu povo (judeu), pois ela não fazia oposição ao Evangelho. Paulo e os líderes da igreja não exigiam que algum gentio cumprisse a tradição judaica da época integralmente, muito menos pregavam que seus costumes culturais eram prerrogativas para serem salvos. Não é novidade que Paulo continuou mantendo seus costumes como um judeu e que ele não via nisso um contraponto à fé cristã.
Como judeu, entendia que certos aspectos da cultura são redimidos na fé cristã, enquanto outros são descartados de acordo com o contexto e situação – esta é uma conversa longa e noutra hora tratarei disto por aqui –. Nessa ocasião, Paulo foi humilde e misericordioso preferindo o bom testemunho e evidenciando para os seus irmãos que ele não havia negado a suas origens como judeu, mas que por amor a Jesus Cristo e aos seus, deveria ser rápido em aceitar o conselho de Tiago (v. 26).
Também teremos que nos submeter a certas situações de adequação a cultura ou tradição por amor a Jesus e aos nossos irmãos. Se você é chamado a falar do Evangelho na casa ou congregação daquele seu parente ou amigo mais tradicionalista e para ele é importante comer a mesa, não usar boné na reunião da igreja, ou que mulheres devam sentar-se separadas de homens, então que assim seja para que não haja motivo para discórdia entre nós.
Em nossa igreja local, não temos problemas quanto a certos costumes, “tatuagens, brincos, cortes de cabelos, vestimentas”, para nós é muito tranquilo tratar destas coisas. Mas eu procuro sempre me portar de maneira respeitosa diante daqueles que consideram certas restrições algo louvável. Para que não haja inimizade, eu prefiro abrir mão da minha liberdade e me submeterei aos conselhos da Palavra.
O início de um desentendimento é como a primeira rachadura numa enorme represa; por isso resolva pacificamente toda a questão antes que se transforme numa contenda destruidora. (Pv 17.14)
Todavia, Paulo e Tiago haviam evitado uma confusão entre os irmãos da Igreja de Jerusalém e sabendo o curso da história, de como seriam duros os próximos dias, ter se comportado assim, confirmou na história e no seu ministério que de fato o que perseguia a Igreja agora a amava profunda e intensamente, a ponto de se submeter a quaisquer circunstâncias.