Enquanto refletia no capítulo 27 de Atos dos Apóstolos, me lembrei de certa ocasião em que conversando com nosso pastor me foi apresentado o livro “O Drama da Doutrina” de Kevin Vanhoozer. Pelo que me lembro, este livro apresenta a história bíblica como um “drama” escrito e roteirizado por Deus, onde o personagem principal é Cristo e nós somos seus coadjuvantes, ou seja, atores contratados para atuar neste grande teatro divino. Acredito que esta linguagem ajude a ilustrar o tema central do capítulo que estamos estudando: a providência divina ao preservar a vida de Paulo para testemunho do Evangelho em Roma. A doutrina da providência divina é importante para compreendermos o relacionamento de Deus com a criação, por isso, a linguagem do drama nos ajudará a ilustrar as verdades relacionadas com essa doutrina.
O trecho-chave de todo o capítulo 27 de Atos é encontrado nos versículos 23 e 24, onde Paulo relata que o Anjo de Deus veio ao seu encontro e o encorajou afirmando que ele daria testemunho diante de César e que Deus, por sua graça, preservaria a sua vida e de todos os que estavam com ele. Neste ponto, vemos o envolvimento pessoal de Deus na vida de Paulo, o que não é novidade, pois em toda a Escritura vemos o Senhor agindo na história. Isso nos leva ao primeiro ponto acerca da providência de Deus:
1 – Deus está sempre pessoalmente envolvido com sua criação, sustentando-a, preservando-a e agindo nela para alcançar seus próprios e perfeitos propósitos.
Deus é como o dono da companhia de teatro que providencia o local, figurino, atores, diretor e tudo o que é preciso para que a peça seja executada. Ou seja, Ele é quem garante que tudo aconteça como planejado. Nesta verdade, afirmamos que Deus opera a salvação, a santificação e os bons frutos.
Vejamos a vida de Paulo como exemplo desse envolvimento pessoal de Deus na história: Cristo vai de encontro a Paulo em sua conversão (At. 9:3-6); O Espírito Santo o envia como Apóstolo (At. 13:2); o Senhor diz para ele permanecer em Corinto (At. 18:9,10); o Senhor também diz que ele precisava testemunhar em Roma (At. 23:11) e é o Senhor quem garante que Paulo irá, de fato, testemunhar em Roma (At. 27:24). Em resumo, Deus operou a conversão, a santificação e os bons frutos na vida do apóstolo. É assim que Ele age em toda a história.
2 – Deus é capaz de executar sua soberana vontade dentro das características distintivas da sua criação.
Robert Downey Jr. é o ator que interpreta o Homem de Ferro nos filmes do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), mas também interpretou o detetive Sherlock Holmes. Seu estilo de interpretação é tão característico que estes dois personagens ficaram muito parecidos, dando a sensação de que Sherlock Holmes é uma versão do Homem de Ferro no século 19. Isso acontece porque no cinema, assim como no teatro, é o ator quem dá a personificação do personagem descrito no roteiro. Mesmo que o roteirista descreva quem é o personagem, seus atributos e características é o ator com suas capacidades de interpretação que dará vida a ele e assim, o personagem que vemos em cena é resultado do roteiro e das características do ator.
3 – Deus como roteirista da história não anulou nossas características, antes se utiliza delas para realizar a sua vontade soberana.
Uma outra característica importante do teatro é a improvisação: trata-se do espaço que o ator tem para fazer escolhas no desenrolar da cena que podem ocasionar em acréscimos ou exclusões de elementos da cena. A improvisação pode ou não estar de acordo com o roteiro. Vejamos o exemplo de Paulo e do centurião: o apóstolo é quem solicita que seja enviado a César (At 26:32) e aconselha não prosseguir viagem (At 27:9,10), o centurião escolhe seguir viagem (At 27:11) e impede a matança dos prisioneiros (At 27:43,44). Todas essas escolhas são legítimas! Ao ponto que seria possível afirmar que o naufrágio é consequência das escolhas de Paulo e do centurião, mas essas escolhas não interferiram na continuação do roteiro definido por Deus: Paulo vai testemunhar em Roma.
O Senhor trata os seres humanos como seres humanos, assim como trata a pedra como pedra. Ele nos deu capacidade de desejar e escolher, deu atributos físicos, morais e espirituais. Cabe a nós usarmos conforme a vontade Dele. Ao executar suas intenções soberanas na vida de uma pessoa, Deus não transforma essa pessoa em uma coisa!
O Pai nos permite tomar decisões na vida. O que realmente importa é se estas decisões estão em conformidade com a Sua vontade. Uma pessoa não convertida é incapaz de compreender a vontade de Deus e conscientemente viver conforme o roteiro proposto pelo nosso Senhor. Por isso, é necessário que Deus intervenha com salvação, santificação e bons frutos, para que possamos atuar conforme a Sua soberana vontade. Somente os convertidos tem a capacidade de atuar e improvisar de modo consciente e segundo os planos de Deus.
4 – Deus controla e usa o mal, mas nunca é moralmente culpado por ele.
Uma questão importante que surge quando pensamos na providência de Deus é o problema do mal. Deus teria planejado o mal? As Escrituras não dão base para afirmarmos que Deus é responsável moral pela existência do mal, mas elas nos ensinam que apesar da presença do mal, Deus realiza soberanamente a Sua vontade. Por isso, Deus não trata por inocente o culpado, pois todos somos moralmente responsáveis por nossas escolhas.
Deus se utiliza do mal e nada que acontece na história foge do controle de Deus! Vemos ao longo da narrativa bíblica Deus se utilizando da maldade dos homens para realizar a Sua vontade; como quando os irmãos de José o vendem como escravo (Gn 36; 45:5), quando os babilônios que são usados para corrigir o povo de Deus (Hc 1 e 2) e os judeus que tramando contra Jesus realizaram a vontade de Deus (At 2:22,23). Vemos assim, que apesar do mal Deus continua santo e sua vontade é realizada!
5 – O Evangelho é a maior expressão da providência divina.
Em 1Pe 1.18-20, vemos que Cristo era o cordeiro de Deus, conhecido antes da fundação do mundo. Isso nos ensina que o mundo e todo o universo foram criados em um ambiente de graça. Ou seja, antes que tudo viesse a existir Deus já tinha providenciado o meio pelo qual a história chegaria ao final feliz, seu roteiro seria cumprido. Portanto, o pecado e o mal acontecem em um ambiente em que a graça já estava presente. Deus não foi pego de surpresa! Não à toa, nosso Deus Pai enviou seu Filho como protagonista dessa história, para que ela não perdesse seu vigor e força, mas fosse cumprida conforme a Sua vontade.
Cristo crucificado, morto e ressuscitado é a prova de que o roteiro de Deus será sempre cumprido!
6 – Conclusão.
Somos coadjuvantes de nossa história, pois o ator principal é o nosso Senhor Jesus Cristo. Nossa vida deve ser vivida de modo que Cristo seja evidenciado. Devemos encarnar a vida de Cristo de tal modo que o ritmo de nossa vida seja ditado pela vida do Protagonista!
Por isso, a cada manhã ore ao Pai pedindo que Ele seja glorificado em sua vida, te oriente e diga o que Ele deseja que você faça. E que Ele te guie de modo que você abrace o roteiro que Ele planejou e Cristo seja anunciado pela sua boca e testemunhado pela sua vida!