Imagine-se na seguinte situação: Você foi preso injustamente, sabe que poderia ser solto a qualquer momento, mas seus juízes optam por mantê-lo preso por um longo período. Você então recorre à instância superior e todos ficam se perguntando: ele está louco? Afinal, não há provas de que você cometeu esse crime. Como procedimento padrão, as autoridades o enviam para a capital do país, pois lá fica o tribunal superior.
A viagem até o local do seu julgamento deve ser feita pelo mar, mas para isso, enviam um oficial de justiça, alguns soldados, outros prisioneiros que também serão julgados, e como cortesia, permitem que você seja acompanhado por dois de seus amigos. O caminho é longo e nada fácil, serão semanas costeando o país até chegar ao seu destino. Visto que os ventos não estão favoráveis e a viagem pode apresentar perigos, o oficial de justiça resolve, então, trocar a embarcação optando por alugar lugares em um navio de carga que vinha de outro estado, mas tinha o mesmo destino.
Passados alguns dias, percebem que o navio já saiu de sua rota programada, pois o vento contrário não permitiu que continuassem no trajeto usual. O navio parou em um pequeno porto e você, vendo as dificuldades já encaradas no caminho e lembrando as vezes em que passou por naufrágio, sugere ao oficial que esperem alguns dias naquele porto, visto que é outono e os ventos não favorecem viagens nesta época. Entretanto, o capitão e o dono do navio, concordando com a maioria da tripulação, orientam que seria melhor prosseguir viagem, pois o porto não era apropriado para ficarem por longo tempo.
Como a viagem, inicialmente, se mostrou tranquila, levantaram a âncora e foram costeando a ilha mais próxima. Inesperadamente surge uma tempestade que arrasta o navio com violência e, sem ter opções, visto que as manobras não estavam funcionando, se deixam levar. Uma vez que a tempestade não cessava e as ameaças aumentavam, se inicia uma série de ações para reforçar a estrutura do barco a fim de aumentar a segurança. Nada disto funciona, então são lançadas as cargas no mar, ficando só o suficiente para alimentar a tripulação. Passam-se três dias, e a armação do navio é lançada ao mar numa tentativa sem sucesso. Dias depois, não enxergando nem sol, nem estrelas, caindo ainda a tempestade, você percebe que toda a tripulação, inclusive seus amigos, perdeu a esperança de serem salvos.
A história chegou no seu momento crítico: a tripulação não come há dias (provavelmente pelo balanço do navio, enjoo e toda circunstância adversa) e assim como o sol, a lua e as estrelas que não se veem há um bom tempo, também não se vê a esperança de salvação na tripulação.
Você deve ter percebido que esta história é a minha paráfrase do que Lucas narra nos versículos 1 a 20 do capítulo 27 de Atos. Também deve ter notado que sempre te coloquei no lugar de Paulo. Mas, a verdade é que nem todos nós passaremos pelas mesmas situações que ele vivenciou, muitos nunca saberão o que é enfrentar uma tempestade em alto mar. Por outro lado, todos nós encaramos situações adversas. Não é verdade que há mais de um ano temos enfrentado e convivido com uma pandemia? Que recentemente vimos dois países retomarem uma guerra que dura décadas (Israel e Palestina)? Também é verdade que temos visto a fome e o desemprego aumentarem? E que recentemente nossa igreja local tem convivido com as consequências destas circunstâncias? Há momentos em que a vida parece uma tempestade!
Nos versículos 21 a 26, vemos Paulo se levantar no meio de toda aquela confusão e encorajar a tripulação. Para isso, Paulo compartilha com eles aquilo que o Anjo de Deus comunicou a ele: é preciso que você compareça diante de César. O anjo lembrou a Paulo que Deus tinha um propósito com essa viagem, por isso, ele não deveria temer. Afinal, todos os propósitos de Deus irão se cumprir, Deus é quem garante seu cumprimento. Em outras palavras, Paulo é convocado a lembrar quem Deus é, e que Ele sempre cumpriu com aquilo que prometeu.
Todos nós partilhamos de um propósito geral, glorificar a Deus e gozá-lo para sempre, como nosso discipulado bem afirma. Deste propósito, surgem dois objetivos que devemos atingir. O primeiro, é saber como Deus quer que eu o glorifique especificamente. Em 1 Co 10:31, vemos: “Portanto, se vocês comem, ou bebem ou fazem qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus.” Cada uma das nossas interações na vida deve ser para a glória de Deus. Devemos sempre nos perguntar: “Como Deus quer ser glorificado na minha profissão?” “Com qual profissão posso glorificar a Deus?” “Como meu casamento glorificará a Deus?” “Como namorar com tal pessoa glorificará a Deus?” “É isso o que Deus quer de mim?”. Paulo sabia que Deus queria que ele testemunhasse diante de César, bem como, em todo o livro de Atos, vemos que Paulo sabia exatamente o que Deus queria para ele.
E o segundo objetivo é aprender a gozar em Deus. Mas o que é ter gozo em Deus? Podemos dizer que é aprender a Teologia da Ovelha. Vejamos, o salmo 23:
“O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. (satisfação)
Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; (descanso)
Refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome. (alívio)
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam. (consolo)
Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges a minha cabeça com óleo; o meu cálice transborda. (alegria)
Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre. (confiança)
Aprender a gozar em Deus é estar satisfeito, descansado, aliviado, consolado, alegre e confiante em Deus. É completude de vida! É uma vida que independente da circunstância pode se levantar com coragem, pois sabe quem Deus é: Ele é o seu pastor.
O ser humano que sabe o propósito que Deus tem para ele e que se satisfaz Nele é a pessoa que em meio a dor, o sofrimento e o desespero, pode encorajar a outros e permanecer firme no seu testemunho da identidade de Deus.
Concluindo, há momentos em que a vida parece uma tempestade; o sol desaparece, não vemos a lua ou as estrelas, perdemos a esperança de salvação. Nestes momentos somos desafiados a lembrar quem Deus é. Só assim, a esperança renasce, então podemos dizer: “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará. Mesmo que eu ande pelo vale da sombra da morte, eu sei, Ele está comigo.”
NOTAS.
1.Vide versículos 1 e 2 onde Lucas se coloca na história e cita Aristarco da Macedônia
2.Paulo já havia naufragado três vezes e permanecido um dia e uma noite exposto à fúria do mar, vide 2 Co 11:25.
3. vide versículo 9 que diz que havia passado o tempo do Dia do Jejum, também conhecido como Dia da Expiação. Celebrado entre Setembro e Outubro, no hemisfério Norte corresponde ao Outono, enquanto que, para nós, no hemisfério Sul, corresponde à Primavera.
4. verso 14 cita o tufão de vento chamado Euroaquilão ( uma transliteração que quer dizer “vento nordeste”. Estes ventos são perigosos, pois aparecem do nada em forma de redemoinho, provocando uma tempestade.