Poderíamos dizer que ele mede apenas dois milímetros de diâmetro, podendo se perder facilmente da vista humana. Com sutileza e pequenez ele não faz alarde, é discreto. Não é exibicionista, não suscita atenção para si. Foi essa a alegoria de Jesus. Dizer que o Reino de Deus é como a semente de mostarda.
Parece uma afirmação contraditória, afirmar que o Reino de Deus – o Deus poderoso e criador dos céus e da terra – é tão pequeno assim.
Tal afirmação provavelmente doeu como heresia aos ouvidos religiosos e saudosistas dos judeus. Porque a palavra reino para um judeu automaticamente o remeteria aos emblemáticos reis humanos da história de Israel, e nesse rol se encontram Davi e Salomão, por exemplo. Aqui, na perspectiva judaica, na concepção que eles tinham sobre reino, já não caberia humildade, fraqueza, pequenez. Quanto mais afirmar que o Reino de Deus é tão pequeno assim.
Além disso, em se tratando do assunto sementes e árvores, os judeus estavam mais familiarizados com o Cedro, com a Oliveira, a Figueira e a Videira, que figuravam a força, a posição de honra, as riquezas e a prosperidade, e todo o restante do pacote de privilégios que os judeus possuíam enquanto povo exclusivo de Deus. Portanto, por menor que seja a semente de mostarda, ela não caberia na mente de um judeu, muito menos como exemplo figurado para o Reino de Deus. Idéia inconcebível esta!
Atualmente, em nossa era pós-moderna, esse papo de semente de mostarda também tem se tornado uma idéia inconcebível, ou até mesmo obsoleta, já que os nossos olhos são sempre seduzidos com imagens de grandeza e a sutileza não nos impressiona tanto. Gostamos do que reluz, do que faz barulho, do que enche nossos olhos e nos inebria com glamour ou status.
Da mesma forma, a comparação que Jesus faz do Reino de Deus com a semente de mostarda também não é muito ‘cool’ em nosso sistema religioso. O movimento evangélico, ao longo da História, foi seduzido pelas palavras crescimento, avanço, sucesso, popularidade. Não é de se admirar que sinônimo de ministério bem sucedido seja aquele que cresce e aparece (especialmente se for à TV). E nesse contexto nem precisaríamos nos prolongar ao falar das mega estruturas, dos mega shows-pseudo-evangelísticos, dos mega templos e dos pregadores megalomaníacos que se dedicam em arquitetar o mesmo plano de Pink e Cérebro: “tentar dominar o mundo”.
Não estou apontando que a disseminação do Evangelho de Cristo foi/seja um problema. Pelo contrário, o Evangelho de Cristo é a solução para combater e vacinar as pessoas contra as atrocidades que tem sido praticadas pelos líderes religiosos de nosso tempo.
A História da (legítima) Igreja Cristã nos aponta para o outro lado da moeda e traz de fato a personificação da semente de mostarda, do Reino de Deus como ele é: à primeira vista pequeno, discreto, simplório, singelo. Que começa sem proporções alarmantes, mas toma forma, cresce pacientemente em altura e profundidade, mas não se impõe, não domina. O Reino de Deus quando sai da forma de semente se torna uma grande árvore, conforme o desfecho da mensagem figurativa de Jesus. Portanto, é convidativo e acolhedor, oferece proteção e abrigo. Assim, como os passarinhos vão para a grande árvore de mostarda, o Reino de Deus é um lugar onde se pode construir lar e ninho, onde é possível permanecer.Sabe aquela idéia de Exército de Deus? Não encaixa no discurso de Jesus. As proporções que o Reino de Deus toma não se dão através de força ou violência, não tem haver com estratégias de guerra. Ele começa a partir da simplicidade e conquista pessoas a partir do amor.
Assim se deu a história de Jesus nesta terra, que de uma pequena semente de doze discípulos, a mensagem do Reino foi anunciada e se expandiu, ultrapassando fronteiras geográficas e religiosas. E assim também se deu o nascimento da (legítima) Igreja Cristã: Uma pequena semente, regada pelo sangue de Cristo e pelo sangue dos sucessores mártires, floresceu e ainda tem florescido por toda a terra e história. A Igreja Cristã nasceu não por força ou poder, mas nasceu por milagre, apesar dos primeiros cristãos nas palavras do apóstolo Paulo, serem entregues à morte todos os dias, como ovelhas entregues ao matadouro. O censo demográfico dos cristãos no primeiro século desafiava até mesmo a matemática, pois quanto mais morriam, mais se multiplicavam e mais a fé cristã se espalhava. Não era pra menos enlouquecer o Império Romano!
Em suma, ao olhar para a primeira Igreja, vemos uma missão e uma história marcada por resistência, fundamentada pela premissa de que as portas no inferno não prevaleceriam contra ela; e uma fé cristocêntrica, sabendo que esta Igreja estava edificada em nada mais além de Cristo. Isso bastava! Bastava apenas ansiar pelo Reino de Deus se apresentando por toda a terra, arrebatando corações e libertando pessoas do império das trevas. Números não importavam, propósitos visando angariar mais membros e associados para a religião cristã nem sequer existiam. O que se via eram as palavras de Jesus tomando forma real e acontecendo na prática: “A que é semelhante o reino de Deus, e a que o compararei? É semelhante ao grão de mostarda que um homem, tomando-o, lançou na sua horta; e cresceu, e fez-se grande árvore, e em seus ramos se aninharam as aves do céu”. (Lucas 13:18, 19).
Ainda está em tempo, de nós cristãos voltarmos nossos olhos às minuciosidades do Reino de Deus. À discrição, à pequeneza, à simplicidade. Onde há menos barulho e mais relevância. Onde há menos alarde e mais eficácia. Onde a Igreja se faz resposta, se faz abrigo, se faz aconchego para a alma. Talvez seja hora de abandonarmos o status quo que a religião evangélica impregnou em nós como verdade, e reaprendermos o que de fato é o Reino de Deus pelas palavras do nosso humilde Mestre. Talvez também seja a hora de abandonarmos as armas e fardas do tal “Exército de Deus” (que não somos), e vestir a roupa simples de agricultores que desejam plantar, pacientemente, a semente do Reino de Deus, por menor que ela seja (como o grão de mostrada), e percebermos que o “mundo” não é o nosso inimigo, nem o nosso campo de batalha, mas é a nossa horta.
Eis mais um de nossos desafios!