SOLA SCRIPTURA – A PALAVRA NO CENTRO COMO FONTE DA VIDA

Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido. (Salmos 1.1-3)

Quando em 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano Martinho Lutero afixou as 95 teses na porta da igreja do Castelo, em Winterberg, como forma de protesto contra os desvios da Igreja de sua época, ninguém imaginava que o barulho das marteladas ecoaria até a nossa época. Ali, naquele verdadeiro ato profético, Deus iniciou um novo tempo na história, uma luz brilhou depois de uma noite de trevas, “post tenebras lux”.

Os “Cinco Solas” da reforma protestante não aparecem em ordem, pois todos eles estavam lá, mas começar a nossa conversa pelo “Sola Scriptura” me parece mais correto.

Uma era de trevas – Um mundo privado de sua luz

É assim que muitos estudiosos identificam o período medieval, eu, porém não considero essa generalização. Apesar de a igreja romana ter aprisionado em suas torres eclesiásticas a Bíblia, restringindo o acesso à grande população de seus domínios, o período medieval não foi um tempo (como muitos pensam) de ausência divina. Deus estava lá, a verdadeira igreja permaneceu, homens e mulheres não se calaram e Jesus ainda continuou salvando pessoas e conduzindo as suas ovelhas, mesmo em meio ao vale da morte.

Entretanto, devo concordar que o mundo foi privado da luz do Evangelho; a palavra de Deus foi tirada do povo e estavam como ovelhas sem pastor. O Papa e o seu clero representavam a autoridade máxima de Deus na terra, mesmo que isso fosse contraditório a doutrina cristã. Em nome de Deus muitas coisas ruins foram feitas pelas mãos de servos do Diabo que ocupavam os autos poderes da igreja romana. A mensagem da Salvação pela graça foi trocada pelas indulgências e heresias, a paz e vida foi troca por guerras e mortes. As trevas eram como uma grande nuvem negra que impedia todo o mundo de ver a luz do dia.

Orare e et labutare – A Palavra de Deus e os seus atos

Quando os protestantes reafirmam a doutrina do “Sola Scriptura” não estão dizendo que devemos abraçar a Escritura e abandonar a Igreja ou a tradição cristã. Pelo contrário, reafirmamos que somente as Escrituras podem nos (a Igreja) guiar no perfeito plano e propósito de Deus. Para isso é necessário, orar e trabalhar, buscar na Palavra de Deus os tesouros da vida eterna, as instruções para a sua missão e obra. Como um povo que carece de direção, devemos escutar a voz de Deus e obedecer a sua instrução. Orare e et labutare não é outra coisa senão adorar a Deus, contemplar e louvar, ressuscitar e viver, se levantar e andar em fé e obras.

O “humanismo renascentista” foi providencial preparando o solo da reforma para um movimento pela “busca da verdade divina”. O que estava certo ou errado nos decretos e governo da igreja atual, o que era confiável e o que era invenção? Lutero, Melancton, Zuínglio, Calvino, Bucer, Beza e tantos outros teólogos e pessoas que lutaram para que a Igreja voltasse ao Evangelho fizeram estes questionamentos, apontando para um ponto central: “Somente As Escrituras” são capazes de conduzir o homem à verdade de Deus, porque ela é a única regra de fé e prática, nada nesta terra está acima dela, e todas as coisas devem se submeter a sua verdade e autoridade.

Sola Scriptura e a doutrina da auto-revelação de Deus

No ápice da doutrina da “auto-revelação de Deus”, afirmamos que Deus se fez conhecido por meio da sua Palavra que criou céus, terra e tudo que existe, se fez carne – é Jesus é o “Verbo de Deus”, a expressão de Deus (Hb 1.3) -, e que o Antigo e o Novo testamento (A Bíblia Sagrada) nos apresentam o que é necessário (o Evangelho) para viver e morrer de forma digna e aceitável diante de Deus.

As Escrituras são o testemunho preservado e inspirado por Deus. Nas Palavras de Paulo à Timóteo:

Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2 Timóteo 3:14-17)

Calvino[1] deixa claro que não existe outra forma de se relacionar com Deus e sua obra redentiva sem que a sua Palavra seja o mediador seguro. Ele diz: “para alcançar Deus, o Criador, a Escritura deve ser guia e mestre”. Além disso precisamos compreender o papel central da Escritura no entendimento correto sobre quem Deus é e faz, e também qual é a sua vontade para nós. Vanhoozer[2] afirma que devemos aprender o conteúdo da Escritura para que possamos obedecer de maneira fiel e relevante no mundo em que vivemos:

Para ser mais exato, as práticas canônicas são o meio pelo qual Deus nos socializa, pelo ministério do Espírito, em sua práxis comunicadora divina, em uma forma, pactual de ser, naquela forma de vida diferenciada que é “estar em relacionamento de aliança com Deus trino e uno”. […] A prática leva a perfeição. Ao estudar piano, tornamo-nos mais musicais e adquirimos a capacidade de performance do piano. De modo semelhante, adquirimos capacidades conceituais ao participarmos das práticas fundamentais de uma escola teológica (2016, p. 236).

Conclusão – A Palavra no centro como fonte da vida

O “Sola Scriptura” é uma das cinco doutrinas fundamentais que marcaram a reforma protestante. Ela é a nossa afirmação suprema de que não existe igreja, muito menos cristianismo, sem Escrituras, e que qualquer outra forma de religião que não leve a autoridade e supremacia dos Cânones Sagrados é falsa.

Quando o salmista diz que o homem sábio tem prazer na lei de Deus e nela medita dia e noite, ele estava falando de uma pessoa que encontrou nas palavras de Deus a fonte da vida, o poder restaurador e vivificador que faz as folhas crescerem nos galhos da existência, de uma pessoa que frutifica e amadurece no tempo certo. Desta maneira, o viajante cansado e desorientado pode se servir do que produzimos e encontrar também renovo, local de descanso e forças para prosseguir viagem.

Como arvores plantadas perto de águas correntes, assim são as pessoas que busca firma as suas vidas na Palavra de Deus, porque elas são Espírito e fonte da Vida. Minha oração é que você possa valorizar o labor dos nossos irmão mais velhos, que lutaram para que hoje eu e você pudéssemos ter bíblias em nossas mãos, para ler, para se deleitar, para iluminar o mundo e dissipar todas as trevas. Amém!.

Pregação

[1] O legado de Calvino, 2021; São Paulo, Tomas Nelson.

[2] O drama da Doutrina, 2016; São Paulo, Vida Nova.

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